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Vol. 02 - Nº 03 - 2021

“Estou Pensando em Acabar com Tudo” e o existencialismo físico do pensamento

A personagem de Jessie Buckley está à espera de Jake, seu namorado, no que seria o início de uma viagem para que ela conheça os pais dele. Aparentemente estão no início do namoro e o entusiasmo do que deveria ser este momento é substituído por um pensamento que nos acompanha durante todo o filme: “estou pensando em acabar com tudo. A partir daí, as indagações e comparações que a jovem mulher faz em sua mente são voltadas para o peso de continuar ou não com Jake, sobre suas qualidades e defeitos e a maneira como os dois se complementam em pensamentos e ações.  

As nuances de humor são bastante peculiares e a profundidade dos diálogos também nos intriga: a cumplicidade e estranhamento que habitam mutuamente – e de maneira bastante efusiva – nessa relação chegam a ser perturbadoras. A primeira reação que o filme nos traz é a de confusão, o que não está distante de outras obras dirigidas ou escritas por Kaufman, que tem sua composição baseada em camadas sobrepostas que se somam como um quebra-cabeças intencionalmente embaralhado, onde todas as peças tendem a significar alguma coisa, mesmo que não sejam percebidas em suas minúcias – daí a graça em se analisar estas obras: a falta de sentido gera sentidos por si só. 

A paisagem que permeia a viagem é sempre a mesma, com um detalhe ou outro que – mais tarde percebemos – na verdade compõem uma mistura das coisas que Jake vive no presente com o que seriam memórias e assimilações do que já assistiu ou leu, numa mistura de realidades. Existe uma satirização das interações sociais, que exibem personagens com maneirismos exagerados e, ainda, a apresentação visual dos componentes que constroem a narrativa: o fato de o filme não ser em widescreen – o que nos lembra o formato quadrado exigido em postagens de algumas redes sociais, as cores que mudam com bastante frequência – apresentando tonalidades que se assemelham aos filtros de imagem disponibilizados nestas mesmas redes: tudo isso intensificado na casa da fazenda, lugar-memória – onde tudo é mais acentuado, as interações são desconexas e extremamente embaralhadas. A vivacidade expressada nas cenas de dentro da casa é diferente de todo o resto da narrativa. 

No monólogo inicial, a personagem de Jessie Buckley faz uma espécie de resumo sobre o que se daria na trama, citando paisagens vazias, diálogos acerca da existência humana, viagens longas em estradas rurais e sorvete. Fica explícito o incômodo sobre mesmice da rotina dos parâmetros sociais nos quais estamos inseridos, nossas memórias, quem somos e qual lugar ocupamos em relação ao tempo. Durante toda a viagem, nota-se a contemplação da jovem mulher sobre acabar com tudo e, mesmo que implicitamente pensemos que isto se trata do relacionamento com Jake, não fica claro ao que esse “tudo” de facto se refere. Percebemos então que o que se passa na viagem e o que sucede essa parte da narrativa é, na verdade, uma fantasia de Jake – não o jovem que dirige o carro, mas o outro – mais velho, presente – que aparece em alguns cortes como zelador de uma escola, a observar tudo e todos a sua volta enquanto trabalha, aproveitando-se de sua invisibilidade para questionar o verdadeiro sentido dos papéis e interações sociais, de sua existência e da existência humana em si. Várias pessoas com as quais o Jake-presente cruza em sua rotina na escola tornam a aparecer em diferentes papéis durante sua fantasia-memória.

A maneira como a família de Jake é representada diz muito sobre como se deu a construção dos vínculos afetivos dele com sua mãe e com seu pai – o que fica evidente na discrepância de tratamento entregue por ele a cada um deles. A visita também nos faz repensar a existência da jovem mulher, que parece ser fruto de Jake: uma projeção menos dolorosa do que ele gostaria de ter sido em vários momentos de sua vida. O facto de ela ser apresentada com vários nomes, a absorção dos maneirismos de sua família por ela – algo que Jake parece ter como repulsivo e desagradável, visto que na representação de si mesmo não há tais comportamentos – e, ainda, as várias profissões – distintas entre si – atribuídas a ela em diversos momentos da narrativa, sempre em períodos onde alguma informação nova sobre o passado de Jake era posta. Quando menciona o cachorro, ele logo aparece. Ao lembrar de poemas, quadros e filmes, a narrativa a traz como poetisa, pintora, crítica de cinema… Quando a mãe de Jake menciona problemas causados por seu envelhecimento, a jovem mulher prontamente se torna gerontóloga, a fim de sanar aquelas atribulações. Isto nos remete ao esforço falido do rapaz em querer ser tudo o que fosse necessário para acabar com os sofrimentos causados pelas adversidades da vida – que muitas vezes não tinham solução, e que contribuíram para o acúmulo de frustrações do Jake-presente.

O tempo é tópico de todos os diálogos entre o casal, ora denso, ora metafórico, ora visual, mas sempre ali, assim como citações e referências literárias, visuais e musicais, que estão a ser discutidas e questionadas o tempo inteiro – o que nos faz entender sobre o que de facto trata o filme: envelhecimento, perspectivas e o próprio tempo em si. Isto fica mais evidente em momentos como quando Buckley define o tempo como um vento que passa por nós, que somos passivos a sua ação, e quando Jake diz que o jovem é melhor, mais saudável e admirável, sendo a única instância a ser realmente lembrada com gozo.

Vários elementos nos trazem essa questão de diferentes ângulos e pontos de vista: quando chegam na fazenda, Jake insiste em mostrar os arredores para sua convidada e, ao chegarem no celeiro, existem corpos mortos de cordeiros e a história do porco que estava a ser comido por larvas enquanto ainda vivo. Observações sobre a miséria que deve ser a vida de uma ovelha, que existe imersa no tédio de ciclos que não mudam; a morbidez à qual estamos suscetíveis.

A maneira como a comida é representada nos traz a sensação de que o tempo aqui não é e nem pretende ser linear: antes de chegarem, Jake menciona que não devem esperar grande coisa do jantar, visto que sua mãe não estava bem de saúde. Quando apresentada, a fazenda não parece ser mais um lugar prolífico mas, quando sentam-se para comer, a mesa é farta e a mãe frisa que tudo ali é fruto da fazenda, com alimentos perfeitamente consumíveis. Ainda assim, o jantar começa e termina com a mesa cheia: aqui ocorre a primeira contradição temporal envolvendo comida. A segunda é quando vão para a sala de estar para aproveitar a sobremesa, que é um bolo explicitamente velho, provavelmente de meses atrás, mas que comem com bastante apetite; a terceira é com o sorvete que buscam na Tulsey Town, pelo qual perdem logo o apetite e então começa a derreter, explicitando a ação do tempo de forma mais direta.

Kaufman nos traz a ideia de que tudo ao nosso redor é imortal – o que também é representado em Synecdoche, New York (EUA, 2008), mas, aqui, a atmosfera parece mais claustrofóbica em quase todos os aspectos. Os enquadramentos de Buckley, a discussão sobre as artes que ela cria, os poemas que ela escreve, a confusão sobre o que são de facto memórias que ela tem e o que é apenas projeção de sua mente, quem é ela, quem é Jake, quem são os dois enquanto casal… O questionamento sobre o que de facto nos define, o que fica disso depois que morremos, a falta de controle sobre as lembranças e referências que absorvemos e vivenciamos durante nossas vidas – que começam a mudar e a ser esquecidos com o passar do tempo. O alzheimer que o pai de Jake parece vivenciar, o saudosismo da juventude e a veneração de obras artísticas, que fazem com que seus criadores sejam imortalizados; todos os elementos visuais, a narrativa sonora e os contextos nos quais os personagens estão inseridos nos fazem questionar tudo o tempo todo: o que é a existência humana? quem somos nós em relação aos outros, ao que queremos, ao que fazemos e ao que é certo? O que é certo? O que é válido? O que é o tempo e o que podemos controlar em relação a tudo isso? Somos fruto do que vivemos e consumimos, ou o que vivemos e consumimos é que é fruto de nós?

Estou Pensando em Acabar com Tudo, ao que parece, é querer apagar todos esses questionamentos; frear a mente desse caos que é se descobrir, se entender, saber-se em local e função, a importância de todas as coisas que permeiam o sistema social no qual estamos inseridos, sobre tudo o que consumimos e qual de fato é o nosso papel (papel de Jake, no ponto de vista do protagonista da trama) e qual o sentido geral de tudo e todos. Acabar com tudo é acabar com o pensamento em si. Desistir de pensar.

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Editoriais Vol. 02 - Nº 03 - 2021

EDITORIAL: Linguagens

Hoje (28/06/2021) é dia do orgulho LGBTQIA+. O tema desta edição, no entanto, parece distante das questões do orgulho, da vivência ou da luta dessa bandeira. É verdade, porém, que a maioria da equipe que compõe esta revista faz parte da comunidade LGBTQIA+ e vê, obviamente, a necessidade de abordar nossas temáticas em uma revista voltada para o audiovisual, um meio que, por muito tempo, não nos retratou com muita justiça e tampouco nos empregou ou nos deu as oportunidades certas para deixar, nas telas, as marcas de nossa existência.

Os tempos têm mudado? Talvez. Mas é impossível não olhar ao redor e ver, em todo canto, os reflexos e consequências da eleição de um LGBTfóbico como presidente de um país tão plural e diverso como o nosso. É nesse tempo, nesses dias incertos, encobertos por uma sombra de dúvidas e ameaças (visíveis e invisíveis), que enxergamos a necessidade de falar, HOJE, sobre arte, cultura, cinema, televisão, sendo assumidamente LGBTs. Viver com medo não é uma opção e, apesar de acreditarmos na urgência de demarcar as potências de nossas vidas, o (nem tão) simples gesto de manter uma publicação como esta, em dias como estes, com um expediente como o nosso, é também uma forma de afirmar nosso ORGULHO e nossa RESISTÊNCIA. Que nossa linguagem não seja apenas a da sobrevivência, pois estamos vivos e ativos, nos mantemos produtivos mesmo sob a atmosfera de tempos tão difíceis.

Nesta edição, Letícia Oliveira comenta a respeito do filme Estou Pensando em Acabar com Tudo (Charlie Kaufman, 2020) sob um viés existencialista; PH Martins se debruça sobre O Caso Evandro (Aly Muritiba e Michelle Chevrand, 2021), série de TV baseada no podcast do jornalista Ivan Mizanzuk; Gustavo Guilherme tenta traçar um panorama breve a respeito da metalinguagem no cinema contemporâneo a fim de assumir a importância do exercício da linguagem cinematográfica; e Leonardo Ribeiro dedica ao filme Histórias que Nosso Cinema (não) Contava (Fernanda Pessoa, 2017) um importante texto que nos relembra da fertilidade transgressora de nosso cinema.

Além disso, a Revista Reimagem entra em uma nova fase, ampliando-se para outras mídias: dois podcasts são veiculados aqui, um deles é o Olhos Fechados, produzido do Leonardo Ribeiro; o outro, uma produção independente da própria revista, apresentada por Gustavo Guilherme e Letícia Oliveira, é o podcast sobre terror e seus subgêneros Terrorias da Conspiração. Além disso, a revista estreia nessa edição a webserie S[c]inédoque, roteirizada e dirigida por Gustavo Guilherme, disponibilizada em seu canal no Youtube.

Como pessoas LGBTQIA+, temos orgulho em apresentar, nessa edição, a temática da Linguagem e suas divisões, seus movimentos, suas subversões, talvez a fim de ressoar, assim, a resistência de nossa própria linguagem.


EXPEDIENTE || Editor-chefe: Gustavo Guilherme da Conceição | Revisões: Gustavo Guilherme e Letícia Oliveira | Tradução e revisão (English version – coming soon): Letícia Oliveira | Mídias sociais: Luana Macedo Pereira || Assinam os textos desta edição: Gustavo Guilherme da Conceição, Letícia Oliveira, Leonardo Ribeiro e PH Martins ||| Agradecimentos especiais a Erly Vieira Jr.

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Vol. 02 - Nº 03 - 2021

O Caso Evandro

O podcast Projeto Humanos: O Caso Evandro foi, provavelmente, a obra que mais me cativou e engajou desde 2018. Ouvinte de podcasts desde 2011, por anos ouvi um mesmo programa, alternando vez ou outra, sem a mesma frequência que tinha com o primeiro podcast que conheci. Esse veículo de comunicação sonora começou bastante calmo no Brasil, antes de sua monstruosa ascensão que se deu a partir do mesmo ano em que conheci O Caso Evandro. Antes disso, lá fora (principalmente nos Estados Unidos), o universo dos podcasts já havia evoluído e se difundido bastante. O modelo clássico de conversas entre amigos sobre algum tema específico desdobrou-se em muitos outros gêneros. 

O mais famoso deles talvez seja o true crime, estilo onde o apresentador conta histórias relacionadas a crimes reais, às vezes entrevistando pessoas envolvidas e especialistas nos casos em questão, usando também arquivos midiáticos sobre o assunto. O principal expoente do gênero true crime dentro dos podcasts é o Serial Podcast (2014). Escrito, produzido e apresentado por Sarah Koenig, Serial representou o grande boom do cenário nos EUA, alcançando uma audiência extraordinária e ganhando status de sucesso internacional. Com uma média de espectadores de uma série de TV, o programa conta a história do assassinato de Hae Min Lee, garota filha de imigrantes coreanos. Seu ex namorado, o muçulmano Adnan Seyd, foi preso acusado de tê-la matado. Baseado no testemunho de um amigo de Adnan, o rapaz é sentenciado à prisão perpétua. Anos depois, a história chega até Sarah, que já produzia um outro podcast de sucesso (This American Life), e resolve investigar e narrar o caso em um novo programa, o Serial

Evandro, uma criança de 6 anos, desapareceu na cidade litorânea de Guaratuba, no Paraná. Seu corpo foi encontrado dias depois já quase irreconhecível com as mãos e os pés amputados, o coração e outros órgãos arrancados. A Polícia Civil foi acionada e passou alguns meses sem resolver o caso. Diógenes Caetano, primo de Evandro e conhecido opositor do então prefeito Aldo Abbage, começou a realizar suas próprias investigações e a criticar mais duramente a ação da Polícia Civil e da família Abbage. Além disso, Diógenes acreditava que a esposa de Aldo, Celina Abbage, havia sido responsável pela separação de sua família ao ter um caso com seu pai. A seção de inteligência da Polícia Militar, entrou no caso, e prendeu cinco homens a partir de um depoimento de Diógenes – entre eles Oswaldo Marcineiro, um pai de santo da cidade. Os homens foram acusados de raptar e matar a criança em um ritual de magia negra, a mando da primeira dama e de sua filha Beatriz Abbage. As duas também foram presas. Os sete acusados confessam, nasce toda uma comoção popular contra eles e contra a família Abbage e, junto a isso, um ódio violento contra a religião de matriz africana da qual Oswaldo fazia parte. Um verdadeiro escândalo, que se tornaria ainda pior a partir do momento em que os acusados começaram a alegar que foram torturados para que assumissem os crimes.

https://www.projetohumanos.com.br/temporada/o-caso-evandro/

Ivan Mizanzuk criou primeiro o Projeto Humanos, um programa no formato storytelling – diferente do tradicional “papo entre amigos”, que ainda é o principal estilo de podcasts no Brasil. O Caso Evandro é a quarta temporada do Projetos Humanos, primeira em que o jornalista decidiu embarcar em um caso criminal. Ivan viveu o medo do desaparecimento de crianças na década de 1990, no Paraná, e conheceu de perto o caso das “Bruxas de Guaratuba”.

A ideia de Ivan era contar a história do caso, ou seja, ir desde o rapto até os julgamentos, expondo as contradições, os absurdos e a desleal cobertura midiática. Assim como Serial, O Caso Evandro foi um sucesso, e logo desembarcou em outras mídias. Além de virar livro, escrito pelo próprio Ivan, o podcast se transformou em série de TV, distribuído pelo serviço de streaming Globoplay, com direção de Michele Chevrand e Aly Muritiba, este último sendo um dos mais promissores cineastas brasileiros dos últimos anos, ao lado de Gabriela Amaral Almeida, na minha opinião.

Quando anunciada, a série documental televisiva d’O Caso Evandro logo foi alvo da pergunta dos fãs: que partes e aspectos do podcast estariam presentes em tela? Como adaptar uma história tão complicada e comprida? O que ela traria de novo? 

O primeiro impacto para quem ouviu os 36 episódios do podcast e depois assistiu a série é o de ver os rostos daqueles personagens que haviam apenas escutado. Por mais que o próprio Ivan disponibilizasse uma enciclopédia no site do Projetos Humanos com fotos de todos, vê-los falando na série é diferente. Essa materialização serve ao próprio argumento da série, que depois de apresentar o crime, os acusadores e os acusados, logo encaminha-se para a sua principal linha narrativa: a de que os acusados só confessaram por terem sido torturados pela polícia. É preciso transitar na história para entender isso, o que também significa dar alguns spoilers.

Dentro do podcast, Ivan conseguiu, de uma fonte anônima, as fitas originais das confissões. Fitas que, na época da investigação e do julgamento, “sumiram” dos autos do processo, e não foram transcritas em sua totalidade. Essas fitas, tocadas quase na íntegra, comprovam a tortura por meio de vozes de dor, cansaço e desespero, pedidos de socorro, comandos de afogamento e ameaças de “continuar a nossa seção caso você não fale o que queremos”. Na série, ao ver o vídeo de outra confissão feita com Beatriz Abbage, é possível distinguir nela alguém completamente exaurida. O mesmo com Davi dos Santos Soares, e é possível perceber um tampão em sua orelha, suja de sangue – o que comprova uma de suas descrições de tortura. Davi conta que lhe colocaram deitado, encostaram o cano de uma pistola bem do lado de seu ouvido e atiraram no chão, o que teria provocado o sangramento.  

Com essa materialidade das falas e do discurso, O Caso Evandro resolve uma das perguntas: como adaptar essa história? Procurando a principal linha narrativa e seguindo-a diretamente. 

Felizmente, ser direto aqui não significa ser raso. A série não apresenta só a possibilidade de entrevista com os personagens que já falavam no podcast, mas também permitiu que outros agentes entrassem. Davi é um deles, Airton Bardelli (outro acusado), o promotor de justiça Paulo Markowicz, o advogado das Abbage, Antônio Figueiredo Bastos, entre outros. Esses dois últimos, aliás, ajudam a entender o poder de adaptação da série. Eles constroem o caminho narrativo: Markowicz é o “acusador” das Abbage, ele acredita, a partir das provas e dos autos, que mãe e filha são sim culpadas. Figueiredo Bastos, obviamente, pensa o contrário. Defendeu a tese da tortura desde o julgamento de 1998, e chegou a conseguir inocentá-las no mesmo juri (a tese comprada pelo júri era a de que o corpo encontrado não era o de Evandro). No meio dos dois, há o próprio Ivan Mizanzuk, primeiramente como o criador do podcast, e depois com participação mais evidente como um especialista, uma pessoa que passou anos lendo todas as milhares de páginas do processo, ouvindo os julgamentos, entrevistando pessoas. Se Markowicz ou Figueiredo Bastos contam sobre suas teses, se os acusados defendem-se de incongruências em seus álibis, se jornalistas contam o que viram e ouviram na época, é Ivan quem aparece didaticamente para explicar a origem e a natureza daqueles discursos, no que eles são contraditórios, em que aspectos fazem sentido, porque a defesa os utiliza ou não e como a acusação os manipula como prova. 

Ao redor desses três caminhos, estão os verdadeiros protagonistas. A escolha dos sete acusados provavelmente não foi a toa: envolvia política, religião e sociedade. Os espectros envolvidos construíram figuras complexas, com trajetórias verdadeiramente épicas, no sentido cinematográfico da palavra. Celina e Beatriz Abbage, ligadas ao prefeito de Guaratuba, que por sua vez tinha ligação com Aníbal Khoury, principal político paranaense da época; Beatriz, criada em família católica, se tornou espírita e era simpática a religiões de matrizes africanas, o que proporcionou sua amizade com Oswaldo Marcineiro. Sua mãe tinha uma suposta e estranha ligação com Diógenes Caetano, que a acusava de ter tido um caso com seu pai, coisa que Celina obviamente nega. Dos acusados, Oswaldo é quem mais conhecia as Abbage, sofreu muitos preconceitos por ser pai de santo e acabou envolvido na trama. Vicente de Paula era amigo de Oswaldo, também pai de santo, mas nem em Guaratuba morava, ficava na casa de Marcineiro quando ia à cidade; ele foi buscado em Curitiba para servir como suspeito e, depois, julgado culpado: Vicente morreu na cadeia. Davi era artesão e também próximo de Oswaldo. Airton Bardelli era funcionário do prefeito Aldo Abbage. E, por último, Sérgio Cristofolini, que simplesmente alugava seu imóvel para que Oswaldo morasse.

Essa teia complicada é muito bem amarrada entre entrevistas, grafismos, narrações e reconstituições. Esse último aspecto deixa clara a influência do programa “Linha Direta” na direção de Aly Muritiba e Michele Chevrand. Essas cenas são tão bem filmadas e encenadas que nos fazem imaginar uma série ficcional dessa história. 

A série também parece encontrar um ritmo ideal em seus oito episódios, sendo o último um extra que conta a história de Leandro Bossi, outra criança desaparecida em Guaratuba, na mesma época. É lógico que, se a intenção era ser direto e cortar alguns detalhes irrelevantes ao discurso, a temporada não precisava se estender muito mais. O que também causa um ponto negativo: durante os episódios, algumas falas e muitas cenas reconstituídas são repetidas, o que pode primeiro parecer coerente, já que algumas coisas precisam ser reforçadas, mas em dado momento, percebe-se que essa repetição pode ter sido resultado da falta de material filmado, ou talvez uma escolha equivocada. 

Vale destacar, ainda, a trilha musical vinda diretamente do podcast, composta por Felipe Ayres e reimaginada para a série. As músicas transitam entre o estranho, o medonho, o melancólico e o bizarro da história. Elas completam as cenas, assim como deve ser uma boa trilha dentro de um produto audiovisual. Elas contam a história junto aos demais elementos. 

Quando achamos que chegou ao fim, no sétimo episódio, onde as fitas encontradas por Ivan são colocadas para que os personagens possam ouvi-las (inclusive Marcowiz, que de primeira reluta, mas acaba aceitando que, de alguma forma, houve tortura. Percebemos, ainda, uma lacuna: a linha narrativa das crianças desaparecidas em Guaratuba, que antes são inevitavelmente encobertas, volta à tona. O oitavo episódio trata de contar sobre Leandro Bossi e sua família. Voltamos, então, aos muitos sumiços que ocorreram no Paraná na década de 1990: Leandro Bossi sumira tal qual Evandro, e na mesma época. Mas por ser de família pobre,  não houve burburinho em torno de seu caso. 

Em meio ao desespero de um pai ludibriado pela angústia e ansioso para encontrar seu filho, um garoto aparece e diz ser Leandro, causando, à época, comoção nacional. Tudo isso se alia à inconsequente omissão das polícias militar e civil. Aqui, os diretores constroem seu episódio mais melancólico. Os depoimentos de João Bossi são emocionantes e a cena final, na qual o homem caminha pelo quintal de sua casa e nos mostra um terreno que reservou para o filho ainda desaparecido, como um símbolo de esperança mesmo depois de tantos anos, é poderoso. “E que Deus abençoe a sua volta”, diz o homem. João Bossi morreu em 30 de abril de 2021.

O Caso Evandro não é só um ótimo podcast, mas também uma excelente série de TV. É um grande e promissor passo para o gênero true crime dentro do mainstream da televisão brasileira, algo que poderia facilmente ser veiculado em canais abertos e que deveria mesmo ir, pois não fala só de uma história extraordinária e muito rica, mas também de um assombramento que ainda ronda o Brasil, de metodologias e comportamentos herdados da ditadura militar que, infelizmente, ainda encontram vias para se manter vivos. 

Aly Muritiba e Michele Chevrand são ótimos entrevistadores. Mesmo que uma montagem consiga ocultar intervenções, é possível perceber quando personagens de um documentário são interrompidos por pequenas perguntas que serviram como gancho para seguirem contando sua história. Um método recorrente no documentário brasileiro, daqueles que melhor conduzem entrevistas. As muitas informações foram profundamente estudadas e moldadas para a narrativa e pecam, como já dito, pela repetição, mas a teia complicada d’O Caso Evandro é muito bem filmada.

Espero ansiosamente por mais trabalhos de Ivan Mizanzuk, como fez no podcast, seguindo sua seriedade, ética jornalística e habilidade no storytelling. Espero também que a série possibilite outros produtos de mesmo nível, tanto na narrativa e estética quanto na importância de contar histórias que emanam emoções e significados por todos os lados.

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Um filme dentro do filme

Um filme observa outro filme. Curioso por natureza, remonta outras histórias a fim de construir novas possibilidades. Retira dessa auto-observação várias peças que se reestruturarão em outro filme. Esse Cinema é um monstro muito parecido com aquele criado por Mary Shelley – aqui, no entanto, ele também é o cientista. Frankenstein. Um Cinema que se debruça sobre si mesmo, ansioso por (re)descobrir aspectos de sua existência, desvendar suas origens, atualizar sua linguagem. Cinema esse que adquire uma autoconsciência capaz de transformar antigos códigos e fórmulas em um complexo sistema de (res)significações inovadoras e que, mesmo morto, pode se refazer ao reconfigurar sua própria forma e sentido.

No cinema, a metalinguagem pode se dar tanto através da forma do filme – como acontece em documentários de arquivo ou nos found footages – ou no próprio gesto criativo da produção em questão: remakes, reboots, adaptações, etc. Em ambos os casos, é como se os filmes perscrutassem e interrogassem a si mesmos, ou como se houvesse a emulação de  uma observação a respeito de sua própria natureza a partir da forma. É um modo de se curvar diante de sua própria linguagem, dissecando e estudando suas entranhas, destruindo-a e reconstruindo-a a partir dos escombros.

Mas, de que serve esse gesto, afinal?

É um fato recorrente no cinema norte-americano que diretores estrangeiros sejam convidados e contratados para refilmar sua própria obra em uma versão hollywoodiana. Nessa lógica, parece um exercício vazio, egóico, pouco inovador, justificado unicamente pela megalomania de uma indústria que, enquanto mercado, precisa manter um certo status de superioridade.

Desse modo, é como se Ju-on (2000) e The Grudge (2002), ambos dirigidos pelo realizador japonês Takashi Shimizu, não fossem o mesmo filme, já que o remake estaria laureado com essa insígnia da “versão americana”, como se isso fosse, por si só, uma garantia de qualidade – o que, na maioria das vezes (como sabemos), não é. Nesse caso específico, inclusive, é fácil notar o quão empobrecida foi, em questões de inventividade, a versão hollywoodiana, cafona e limitada se comparada ao original.

Outro exemplo crasso é o de George Sluizer e suas duas versões de “O Silêncio do Lago” (1988 e 1992). De um lado, a primeira fita é dotada de nuances e pequenezas narrativas que conduzem bem um mistério instigante de desfecho fascinante; do outro, há uma certa fadiga que permeia aquelas imagens que soam como se elas já nascessem, nesse remake, cansadas, inférteis e pouco interessantes.

Revisitar a própria obra, no entanto, não é um gesto recente, tampouco costume próprio de cineastas de gerações contemporâneas. São do mesmíssimo Alfred Hitchcock, por exemplo, as duas versões de “O Homem que Sabia Demais”, com quase duas décadas de distância entre elas (1934 e 1956). Analisando-as, é quase impossível não comparar as atuações de Peter Lorre, dono de uma aura quase mística que, nesse filme, transforma sua atuação em um verdadeiro monumento, a do lendário James Stewart e seu carisma inigualável de estrela. São, inegavelmente, dois filmes diferentes, cada um deles com características únicas que os distanciam facilmente. Nos anos 90, a obra mais popular desse mesmo Hitchcock serviu como uma espécie de exercício de linguagem. Em 1998, Gus Van Sant realizou sua versão de Psicose, quase quarenta anos depois de Hitchcock, com enquadramentos idênticos aos do filme original, o que conferiu a sua obra um aspecto artificial, pouco realista, que ressoava, quadro a quadro, na atuação engessada e robótica do elenco – um verdadeiro estudo da mise-en-scène de um daqueles que viria a se tornar um dos grandes expoentes americanos do chamado cinema de fluxo, alguns anos mais tarde.

Michael Haneke, quando convidado a realizar, dez anos depois do lançamento de seu Funny Games (1997), uma versão hollywoodiana, resolveu refilmar sua própria obra sem nenhuma inovação se não a de elenco. Realizou, quadro a quadro, frame a frame, dois filmes idênticos em quase tudo. O que pode soar para muitos como uma ego trip ou uma crise de criatividade é, na verdade, uma afirmação ácida e irônica. Funny Games é um filme pronto em sua forma e significação, compreendê-lo é, inegavelmente, não desejar dar o play novamente – a famosa cena do controle remoto bastaria para entender que este é um filme feito para ser visto e compreendido uma única vez. É como se Haneke alimentasse o complexo de superioridade da indústria americana com fragmentos de sua própria vaidade, ou como se dissesse aos gringos: tudo que pretendia ser dito está dito, lidem com isso.

Aos “puristas do original”, portanto, fica o aviso, ainda que tardio: não se iludam. A ideia aqui jamais teria sido a de manter o brinquedo dentro da caixa, muito pelo contrário. Cinema é linguagem, precisa ser experimentada. E, de certa forma, pensar um filme unicamente a partir do fato de ser ou não uma adaptação, um remake ou um reboot é um ponto de partida preguiçoso, pois todo filme é portador de sua própria experiência formal dentro do universo da linguagem cinematográfica. Em outras palavras, todo filme é um filme por si só.

A metalinguagem enquanto exercício é um movimento de experimentação do cinema, esse sistema de signos e significados formado por sons e imagens manipuladas. Um filme que se curva sobre si mesmo, ou sobre algum aspecto que o compõe como filme, está irremediavelmente alterando essa linguagem, reconfigurando-a, permitindo que se expanda e transborde para além dos limites da tela.

Wes Craven, criador de personagens como Freddy Krueger e Ghostface, queria que os censores analisassem o primeiro filme da série Pânico (1996) como uma comédia, já que a ideia central da obra era parodiar toda uma cultura de filmes de terror que predominava no gênero até ali. Craven ainda desdobraria ao máximo seu exercício de metalinguagem durante os demais filmes da série, inclusive criando para os filmes uma outra série de filmes (Stab), que só existem dentro da franquia. A sequência inicial de Pânico 4 (2011) ilustra, com sofisticada literalidade e comentários, esse gesto de experimentar a linguagem cinematográfica e atualizá-la através de si mesma: um filme, dentro de um filme, dentro do filme. “É essa metalinguagem pós-moderna de autoconsciência, só funcionou em 1996”, debocha a personagem de Anna Paquin, segundos antes de morrer.

Desde A Bruxa de Blair (1999), que fez da forma fílmica um simulacro de realismo, atingindo um paradoxo cinematográfico muito bem-vindo (e muito explorado) à experiência narrativa no cinema contemporâneo, os found footages se espalharam em inúmeras produções ao redor do globo. Ainda que a indústria tente assimilar sua fórmula a fim de arrecadar seus milhões, o estilo permanece inovando e rendendo filmes que, apesar de pouco vistos, ressoam ares de novidade. Que outro modo de realização seria capaz de registrar, por exemplo, um filme que ainda não existe? Ou melhor, um filme que só existe na cabeça do personagem principal? Be My Cat: A Film for Anne (Adrian Tofei, 2015) é o registro ficcional de um cineasta que deseja realizar um filme a ser protagonizado pela atriz Anne Hathaway; a fim de convencê-la a aceitar o convite, ele filma com outras atrizes algumas ideias do que viria a ser esse filme. Be My Cat é tão criativo quanto doentio, mas impensável não fosse a metalinguagem do found footage. Death of a Vlogger (Graham Hughes, 2019) explora o universo e a estética dos vlogs para contar uma história de assombração que, até mesmo durante os créditos finais, se manterá duvidosa, explorando aspectos formais do idioma das redes para compor sua identidade cinematográfica. M.O.M. Mothers of Monsters (Tucya Liman, 2020), por sua vez, abusa do formato, diverte-se, mergulha de cabeça nas possibilidades da estética found footage para ilustrar, entre câmeras escondidas e filmagens de celular/notebook, uma relação de extrema desconfiança entre um filho adolescente e uma mãe que acredita ter gerado um psicopata. Nos três casos, a fórmula “filme dentro do filme” revela esse interesse pela atualização constante e ininterrupta da linguagem cinematográfica.

O cinema, portanto, enquanto um sistema de mecanismos e formas que manipulam sentidos e significados, está vivo. E, ainda que morra, tratará de se refazer de suas próprias ruínas, renovando-se de novas possibilidades, como tem feito nos últimos 125 anos, pois seu código básico está sempre disposto a se remontar em sofisticadas versões de si mesmo, atualizadas ou não. A metalinguagem no cinema, sendo assim, não é apenas um movimento autoconsciente que se observa e se ressignifica, mas uma espécie de via respiratória (re)formulada através da forma fílmica, ou do artifício cinematográfico, que está a fim, principalmente, de manter vivo e em movimento esse monstro chamado Linguagem.

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Vol. 02 - Nº 03 - 2021

Retrato do Cinema Quando Jovem

Ainda é dia em um quarto branco com cortinas florais quando uma jovem estudante entrega um livro a um homem de terno e gravata borboleta vermelha. Ele folheia o livro e a pergunta “O que mais lhe interessa na história?” Ela, olhando debaixo para cima, cerra os olhos e responde “As sacanagens”.

Assistir Histórias que nosso cinema (não) contava (2017), da cineasta e videoartista Fernanda Pessoa, seria como olhar para um momento já conhecido da história do Brasil, só que agora com uma nova lente. Nos anos mais duros da ditadura, que já lemos nos livros didáticos, e assistimos em Zuzu Angel (2006), O que é isso companheiro? (1997) e O ano em que meus pais saíram de férias (2006), o cinema estava numa produção intensa de histórias sobre sexo, dinheiro, carnaval. A radiografia que Pessoa faz é sobre esse cinema que, para além do que ele abordava, falava também de corrupção, violência e classe trabalhadora.

As comédias eróticas de baixo orçamento da década de 1970, as pornochanchadas, em geral não eram muito bem vistas pela crítica, mas se tornaram fenômenos populares de sucesso comercial. O exercício aqui seria mostrar como esse cinema, muitas vezes, era vitrine dos conflitos sociais da época, abraçando a diversão e o cinismo de um cinema voluptuoso.

“Estamos mergulhados até os olhos em sangue. Ou você aprende a nadar no sangue, ou você se afoga”

Situando-se entre o documentário e o filme-ensaio, Histórias que o cinema (não) contava (2017) remonta cenas de filmes como Noite em Chamas (1977), Café na Cama (1973) e Palácio de Vênus (1980), que usam figuras de linguagem para tocar em pontos importantes da época, em que os sensores de censura eram estúpidos demais para identificar a ironia, a crítica, e o cinismo que ria da cara do poder. Eram filmes de diretores como Francisco Cavalcanti, Braz Chediak e Antônio Calmon que pareciam só querer fazer rir e excitar, mas que a seu modo projetavam um retrato do Brasil e de um cinema brasileiro.

Através das colagens da montagem, os filmes-personagens não deixam de se associar a um desejo pela anistia, a um tesão pela democracia em cenas de sexo, bailes de carnaval e rebeliões de garotas de programa, por exemplo. O filme é divido entre temas como política, sexo, trabalho, costurando cenas das pornochanchadas, com algumas histórias fixas, em que vamos acompanhando seu desenrolar.

Aos poucos assistimos uma outra história pelas mesmas imagens, não necessariamente mais consciente de sua presença física. A história que emana aqui é consciente para além da presença física dessas imagens, recuperando o valor estético do cinema popular brasileiro e recriando a experiência com esses filmes, de uma maneira que as cenas vão se tornando simulacros.

“Sua filha da puta, eu te amo”

Em um filme consciente sobre a história do cinema, no lugar da claquete como ponto marcador e material metalinguístico, temos a montagem no rearranjo narrativo, histórico e também conceitual de um período do cinema brasileiro.

As pornochanchadas não são mais vistas como um cinema meramente comercial, efêmero e apelativo. O olhar de Pessoa não ignora a certa dose de machismo que circula essas narrativas, mas extrai de suas pesquisas e manipulação sacanas um cinema que, do avesso do comercial, não é obediente, debocha do conservadorismo e que pinta um Brasil só para maiores.

O remix das chanchadas do nosso cinema, lançado em 2017, acaba revelando uma alternativa criativa para o momento pandêmico atual, em que aglomerar para fazer filmes se tornou perigoso. Começando e terminando em texto na tela, o manifesto defende o cinema e as pessoas marginalizadas, reinterpretando temáticas injustiçadas pelo moralismo tradicional.

Resgatar cenas de um momento cultural do nosso país se tornou a busca de um diálogo atual com o cinema brasileiro. O que a todo momento pulsa em Histórias que nosso cinema (não) contava é a vontade de recolocar as pornochanchadas na história do cinema brasileiro e o incentivo por conversas férteis sobre esse cinema que um dia quis encontrar o Brasil das massas.