Dois mil e vinte e um foi um ano complicado, principalmente de conteúdo. Passamos um ano inteiro com vários adiamentos de diversas formas, as indústrias todas pararam para repensar ou retrabalhar obras pós-Covid. O que pensar? Inserir a pandemia na narrativa das obras audiovisuais ou não? Tivemos exemplos de ambos, mas o resultado é difícil de descrever, o que resultou em um 2021 muito confuso.
Nesse contexto gostaria de comentar um pouco sobre as experiencias audiovisuais que se sobressaíram nessa confusão. Por algum motivo, a safra de cinema foi excelente, principalmente nos melodramas: Obras como Ataque dos Cães de Jane Campion e Madres Paralelas de Pedro Almodovar chegaram em um destaque incrível, mas no quesito cinema, pra mim, a melhor obra de 2021 foi:
O Último Duelo, de Ridley Scott
Ridley Scott trabalha muito. Um homem de 84 anos que filma duas megaproduções juntas nessa energia é admirável. Ele filmou The Last Duel e, na sequência, The House of Gucci. Ainda não tive o prazer de ver o segundo, mas The Last Duel é uma das suas melhores obras. Imagine Gladiador, mas com uma atenção melhor ao roteiro e na direção. É complicado discutir mais sobre o filme sem entrar nos tais “spoilers”, mas The Last Duel é a obra máxima de Ridley Scott: conseguimos ver todas as interações de uma direção madura no decorrer do filme, que ainda atiça atuações incríveis de atores que muita gente imagina que não tem mais nada a oferecer, como Matt Damon e Ben Affleck. Infelizmente vai passar em branco nas premiações pois flopou nas bilheterias e foi eclipsado por House of Gucci, mas se você tiver a oportunidade de assistir, não perca tempo.
Pensando em obras eclipsadas, penso agora no meu curta favorito do ano:
Magnético, Cassemiro Vitorino e Ilka Goldschmidt
O documentário de Cassemiro Vitorino e Ilka Goldschmidt, quando começa, passa a impressão de ser um mockumentary (documentário falso), sobre uma cidade que sofre de incidentes de agroglifos (marcações nas fazendas, semelhantes ao que rolava no filme Sinais), em cidades do interior de Santa Catarina. Quando você percebe que os relatos são reais e que as pessoas daquelas pequenas cidades estão compartilhando seu novo folclore, o filme cresce imensamente. Pessoas simples compartilhando histórias e a direção sabendo exatamente a linha do que é sério e do que seria considerado como galhofa, caso fosse uma mão mais pesada da direção, faz para mim um dos melhores documentários do ano. Pensar e viabilizar esse storytelling sem pesar no tema de ufologia, que é alvo fácil de chacota em qualquer contexto, não é para qualquer um.
Ainda pensando no contexto espacial, ao meu ver, um dos melhores jogos desse ano foi:
Metroid Dread
Dread, que por algum motivo bizarro nos faz pensar primeiro no corte de cabelo, significa medo ou temor. Metroid é uma franquia que trabalha muito a solidão: em quase todas as instâncias, a protagonista (Samus Aran) é jogada em um planeta desolado, somente com inimigos focados em barrar seu progresso. Nessa jornada solitária, Metroid Dread é o 5º jogo da série e encerra sua cronologia de forma magistral, onde o principal destaque são os EMMIs, que são seres robóticos que te perseguem e te matam em um hit só, diretamente inspirados no filme Alien, onde o xenomorfo é uma força imparável; além disso, o game tem uma das melhores batalhas de chefes do ano.
Impossível não citar também, agora em questão de série:
Chucky (Don Mancini)
O boneco não para! Em sua obsessão de destruir a maior quantidade de vidas possível, agora o vemos atuando em um pequeno subúrbio americano: sua cidade natal. Retornando depois de um arco narrativo de 7 filmes, Chucky agora chega em uma nova linguagem, a de tele-série. Em seus últimos capítulos, as produções cinematográficas se encaminhavam para uma finalização épica que acabou deixando muita coisa em aberto. Transformada em uma narrativa serializada, entretanto, houve espaço para um desenvolvimento maior e mais intrigante do boneco assassino mais famoso do mundo, além da inclusão de novos personagens que só enriqueceram o lore da série, isso sem deixar de mencionar especificamente os novos protagonistas, adolescentes LGBTQIA+, o que espelha uma persona do seu criador, Don Mancini, que vê na identificação algo muito importante para o entretenimento atual. Trazendo personagens queridos de volta (se tem algo que vende bem agora é essa nostalgia), mas dividindo bem o espaço com os novos elementos, Chucky foi uma grata surpresa, principalmente por vir de um canal que tem a fama de exibir produções de baixa qualidade.
A PLURALIDADE DE 2021
Diversas obras poderiam ser mencionadas nessa lista, como a experiência virtual KID A MNSEIA do Radiohead, que comemora os 20 anos de seus álbuns icônicos em uma exploração audiovisual única dentro dos videogames. Também o esforço de Taylor Swift de regravar e relançar seus álbuns roubados, principalmente o álbum Red , repensando a narrativa do álbum e seus singles e lançando o curta água-com-açúcar de All Too Well.
No cinema, o fantástico não para: obras como Titane (Julia Ducournau) e The Night House (David Bruckner) refletem a dor e a confusão do que foi 2021 para a grande maioria das pessoas.
Se 2022 for tão confuso quanto, que seja nessa qualidade.